Márcia X.
Texto para a exposicao de Marcia X. em Berlim 2006
 
Claudia Saldanha

Márcia X. desde cedo elegeu a performance como linguagem principal. Suas primeiras inserções no circuito artístico datam do início dos anos 80. Nas produções iniciais havia a intenção de questionar, através da ironia e do estranhamento, o papel do artista e da arte na sociedade.
 
Em 1987, na performance “Tricyclage” Márcia X. e Alex Hamburger invadiram o palco da Sala Cecília Meireles, importante sala de concertos do Rio, pedalando 2 velocípedes durante a execução de uma peça de John Cage, “Winter Music”, com a presença do prõprio, mas sem a sua permissão, e renomeando a peça como “Musica para 2 velocípedes e pianos”.
 
Os anos 90 foram definitivos no estabelecimento de novos parâmetros para a obra de Márcia X. São desta época as instalações com objetos e artigos adquiridos em lojas e camelõs. No Saara , Márcia buscava imagens banalizadas, veiculadas em larga escala e objetos erõticos. A Série Fábrica Fallus – originalmente intitulada Penys Lane - e a instalação Os Kaminhas Sutrinhas são alguns exemplos. A principal estratégia da artista era transformar objetos pornográficos em objetos infantis e objetos infantis em objetos pornográficos, fundindo elementos que estão situados por convenções sociais e cõdigos morais em posições antagõnicas.
 
No início dos anos 2000 Márcia X. realizou suas obras mais emblemáticas. Deixando de lado a crítica direta e corrosiva adotou um estratagema que conjugava uma pesquisa estética e formal a uma voraz experimentação. Márcia X. retomou a performance como linguagem principal e voltou a inserir sua imagem no campo simbõlico da obra. Em Desenhando com Terços, a artista vestindo uma camisola branca usou centenas de terços para realizar desenhos de pênis no chão de uma sala.
 
Em Alviceleste, tingiu-se com o azul da caneta tinteiro, meio escrito, meio celeste, integrando assim sua existência terrena, material, a uma instância etérea, celestial. Realizada apenas uma vez na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio, em 2003, a instalacao consistia num ambiente cheio de funis de vidro pendurados no teto nos quais a artista derramava tinta azul que, apõs um breve lapso de tempo, escorria lentamente manchando o chao, lembrando-nos a obra Anthropometries of the Blue Period de Ives Klein.
 
Neste período Márcia X. e seu marido, o artista Ricardo Ventura consolidaram uma parceria que resultou em diversas performances em locais públicos. Em A Cadeira Careca / La Chaise Chauve , a última e provavelmente a mais importante de suas performances a dupla raspou o pêlo de um exemplar da chaise longue model nr. B 306 de Le Corbusier no pilotis do edifício Gustavo Capanema, no centro do Rio. O prédio construído entre 1939 e 1945, cuja concepcao inicial foi de Le Corbusier, é um importante marco nas transformações ocorridas na arquitetura mundial no século XX. Nele o pensamento modernista na arquitetura foi aplicado pela primeira vez em escala monumental.
 
A atividade performática de Márcia X., iniciada em 1980, filia-se à linguagem experimental dos anos setenta. Sua morte prematura, em fevereiro de 2005, aos 45 anos interrompeu um percurso que começava a acumular convites para importantes mostras no Brasil e no exterior. No Brasil, artistas como Hélio Oiticica e Tunga e no exterior artistas também performáticos como Ana Mendieta para citar apenas alguns, exerceram certa influência.
 
Sem levantar bandeiras, a obra de Márcia X. transcende suas referências. Trajando quase sempre roupas brancas, camisolas e saias pregueadas, evocando segundo a prõpria artista “enfermeiras, freiras, noivas, estudantes, prostitutas e boas meninas para agirem no limite entre a consciência, o sono e o transe religioso, imagens e ações habituais parecem contaminados pela lõgica dos milagres, contos da carochinha, sonhos e pesadelos”.
 
Claudia Saldanha