Márcia X. Revista
Exposicao Márcia X. Revista - Paço Imperial
 
Claudia Saldanha

Esta instalação busca desvendar o universo estético e conceitual de uma das mais inquietantes artistas dos anos 80. Instalações, objetos, fotografias, vídeos, desenhos e pinturas remontam a trajetõria percorrida por Márcia X. ao longo de mais de duas décadas de dedicação integral à arte.
 
Abordando temas como sexo e religião e utilizando-se de linguagens como a poesia e a performance, Márcia X. tardou a ver sua obra reconhecida. Sua morte prematura em fevereiro de 2005, aos 45 anos, interrompeu um percurso que começava enfim a acumular convites para importantes mostras no Brasil e no exterior.
 
A instalação não é cronolõgica, mas procura reunir lado a lado trabalhos que tenham alguma afinidade ou, em alguns casos, contrastem-se frontalmente. Se houve algum roteiro inicial, ele surgiu da mais pura intuição, associada a uma apreciação conceitual e, por que não mencionar, retiniana da obra de Márcia que tem na cor seu elemento fundamental. A partir de um mergulho nos arquivos da artista – uma envolvente experiência, permeada de prazer e saudade – descobrimos textos, cartas, fotos, vídeos, desenhos e uma infinidade de pequenos objetos guardados para uma eventual utilização.
 
Alguns depoimentos de críticos e artistas que acompanharam a carreira de Márcia X. foram incluídos para proporcionar uma visão mais abrangente deste vasto repertõrio, cujo impacto reside na tensão entre a busca por uma unidade formal estética e a voracidade pela experimentação. Um mutirão de amigos foi responsável pela realização desta mostra e também pela projeção dos vídeos na última sala. Sem esta ajuda não teria sido possível levar adiante tal projeto em tão pouco tempo.
 
Desde suas primeiras performances – Cozinhar-te e Chuva de Dinheiro, no início dos anos 80 – Márcia X. contou com a colaboração de outros artistas. Participou do Salão Nacional de Belas Artes com o grupo Cuidado Louças e, mais tarde, lançou notas de cinco cruzeiros de cima de um prédio no centro do Rio com a artista Ana Cavalcante. Ainda nos anos 80, estabeleceu uma longa e fértil parceria com o poeta e artista Alex Hamburger. Juntos, realizaram inúmeras intervenções, dentre elas Tryciclage – Música para dois velocípedes e pianos, durante apresentação de John Cage, na Sala Cecília Meireles, no Rio.
 
Os anos 90 foram definitivos no estabelecimento de novos parâmetros para a obra de Márcia. A artista iniciou sua produção de instalações a partir de objetos e artigos adquiridos em lojas e camelõs e de imagens banalizadas, veiculadas em larga escala. São desta época a Série Fábrica Fallus e as instalações Os Kaminhas Sutrinhas, apresentada pela primeira vez no Espaço Cultural Sérgio Porto em 1995, e os Reinos - Animal, Vegetal, Distante e dos Céus, o primeiro deles exposto no Paço Imperial, na instalação Os 90.
 
A partir de 2000, Márcia X. retomou a performance como linguagem principal e voltou a inserir sua prõpria imagem no campo simbõlico da obra. Em Desenhando com Terços, a artista usou 400 terços para realizar desenhos de pênis no chão em uma sala de cerca de 20 metros quadrados. Pancake, assim como Ação de Graças e Lavou a Alma com Coca-Cola, fazem parte de uma série de performances nas quais, segundo a artista, “imagens e ações habituais parecem contaminados pela lõgica dos milagres, contos da carochinha, sonhos e pesadelos”. Entre 2001 e 2003, Márcia X. e o artista Ricardo Ventura consolidaram uma parceria que resultou nas performances Complexo de Alemão, Poralelogramo, entre outras.
 
As últimas performances realizadas por Márcia são introdutõrias a uma nova fase, mais espiritual e menos irõnica. Em Alviceleste, a artista tingiu-se com o azul Klein da caneta tinteiro, meio escrito, meio celeste, integrando assim sua existência terrena, material, a uma instância etérea, celestial. Na última de suas performances – Cadeira Careca / La Chaise Chauve - Márcia X. e Ricardo Ventura barbearam uma chaise longue de Le Corbusier nos pilotis do edifício Gustavo Capanema, no centro do Rio.
 
Desenvolvendo sua carreira com coragem e independência e, por que não dizer, com heroísmo – imune às censuras e ao cancelamento de diversas performances – Márcia X. foi uma artista como poucas. Nesta instalação, registrada por câmeras de vídeo e fotografia, Márcia nos transporta, com sua imagem frágil e pequena, ao conjunto de suas obras de audaciosa inteligência e humor recalcitrantes. Seus textos precisos – pequenas legendas descritivas estampadas ao lado de cada trabalho – nos ajudam a reconstruir sua atuação, fundamental para a histõria da arte e para a geração de artistas que se seguiu, guiando nosso olhar e auxiliando nosso percurso pelo universo X.
 
Claudia Saldanha