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x-ia-s-mas Outubro de 2005 Cecília Cotrim lembro mais que tudo da sensação de sonolência desencadeada pela repetição da tarefa a que ela ia se dedicando, segurando os longuíssimos cabelos castanhos avermelhados [o capim-limão da sopa feita no dia de iemanjá 1] com uma das mãos e a pesada concha de metal com a outra, em um vai e vem de gestos [des]controlados da panela aos copinhos, gestos que iam enchendo copinhos de vidro transparentes, daqueles bem simples, arranjados em pilhas desequilibrantes. mas toda essa monotonia do mesmo gesto repetido, do andar cuidadoso, desenrolava-se rumo à disrupxão. iminente. a duração sendo atravessada por uma sutil aceleração. sutil mas quase histérica. como se um acorde dissonante, ou uma respiração bruxca, ou algo em estacato fosse surgir cortando uma palavra demasiadamente longa para o ritmo da poesia. aceleração desejada, como que surdamente, por cada assistente. aceleração travada, a cada passo, por marciax. o assistente-ali não é um participante? mas ele deseja o climax, deseja o rompimento do tecido temporal, o ápice, o caos. x entrega. entrega-se ao processo, à duração da mera tarefa, e aos gestos. e promete acelerar, atravessar o ritmo, e rompe, irrompe enfim em pura teatralidade, como se pudesse mesmo romper com sua tão prõpria austeridade das tarefas celibatárias, dos longos cabelos da camisola branca e do caldinho tranxlúcido.
depois foi a viagem gentil, a delicadeza de marcia e ricardo, da galeria da uff até o rio de janeiro, de noite, pela ponte-tarefa prosaica e extrelada.
cecilia cotrim. out. 05.
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1 meu amigo marcos martins escreveu um trecho em que vem isso, sobre aquela noite de iemanjá: "por toda a sala, um tapete de plástico azul de caminhoneiro. foi sobre esse plástico que um cara abriu um livro e se ajoelhou para ler um texto. o livro estava entre ele e um outro cara que ouvia quieto, também de joelhos. durante todo esse tempo um tambor batia. não sei se foi nessa hora que eu quis chorar." marcos martins, 2/2/2005. |
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